domingo, 28 de fevereiro de 2021

BURRO QUEIMADO

 Essa história começa na beira do balcão do armazém Ferraz. Importante destacar que o personagem do episódio era um sujeito de canela fina. Naquela época, éramos muito jovens e academia coisa pra alta sociedade, canela fina era praxe.

Sr Zé Ferreira, um freguês antigo,  lá da comunidade de São Francisco semanalmente aparecia pra fazer suas compras.

Homem de estatura baixa, chapéu paraná e bigode sempre alinhado entregava sua lista de pedido para que separássemos.

O Ferreira gostava muito de prosear com o Marquinho, enquanto sua lista era arrumada. Tinha coisa pra sua casa e também para pequena venda que mantia lá em São Francisco.

Sempre quando aparecia, deixava sua charrete com o animal na cocheira que existia na rua de trás do armazém, onde hoje tem o banco Bradesco.

Quando sua compra terminava, era preciso levá-la de bicicleta de carga para cocheira.

O Zé Ferreira sempre foi brincalhão, mas também sistemático. Tinha hora que falava sério e hora brincando e por isso ficávamos sempre atentos para não pisar na bola com ele.

Um dia,  após a compra concluida pediu que um de nós levássemos as compras na cocheira.

Na cocheira tinha muita charrete de toda banda e sempre perguntávamos como era o animal.

- Desta vez estou com um burro queimado . respondeu o Ferreira naquele dia.

Neste dia, o Wallas que levou sua compra, mas chegando lá não achou a charrete do Zé Ferreira e voltou com a compra.

Passado um tempo o Zé Ferreira encosta com sua charrete na porta do armazém e chama o Marquinho.

- Marquinho o cocheiro disse que foi um rapaz de canela fina pra entregar minha compra e voltou.

Wallas apressou-se em responder:

- Oh Sr Ferreira, eu fui lá, mas não vi o burro queimado. O que tinha no lugar era um monte de cinzas.

E o fim da história foi com muita gargalhada, poi o Sr Ferreira concluiu.

Sujeito com canela fina, mas com a resposta na ponta da lingua, tá explicado.


Aldeir Ferraz


quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

O FIM DO MUNDO


Imaginava o fim do mundo assim:


Todos nós na beira de um precipício e lá do céu uma grande bola de fogo vindo em nossa direção.


A bola de fogo se aproximando, o calor dela já se fazendo presente, misturado com o calor dos nossos corpos abraçados.


Alguns com lágrimas nos olhos, outros cantando, uma turma  pedindo perdão, casais se beijando...

Tinha um cara cabeludo solando Dont' Cry em uma guitarra.


Mas o fim do mundo tá bem diferente.


Estamos isolados, alguns.


Estamos de máscaras, quase todos.


Estamos sós e nenhum de nós sabe exatamente onde vai parar.


Aldeir Ferraz



segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

A RURAL DO ROQUINHO

 Ele encostava sua Rural na porta do armazém Ferraz e com sua familia descia pra fazer suas compras

Roquinho, com seu chapelão se aproximava do balcão e já entregava sua lista para a separação.

Saia lá do Córrego Preto, comunidade de Guidoval, para fazer sua compra no Ferraz.

Só saia da sua roça pras compras três ou quatro vezes no ano. Quando fazia as compras a Rural saia aborrotada.

O que não produzia, comprava. Era sacos e mais sacos de mercadoria. Gostava de ter fartura em casa.

Era tempo do fio de bigode, pois o que comprava era anotado e o acerto era feito na proxima compra.

Compra carregada na Rural, entrava com sua familia e partia de volta a Guidoval.

Aldeir Ferraz

domingo, 14 de fevereiro de 2021

MINEIRO QUE ACOMPANHA PATO...

 O final de trabalho no Ferraz sempre tem um momento de molhar a palavra, tomar uma gelada.

Quando este momento tem alguém que banca é melhor ainda.

Uma dessas noites, logo após o trabalho, o Zé Pequeno bancou uma caixa de cerveja no bar do Carlinho. Bancou por que naquele dia faturou no jogo do bicho.

Participaram desta rodada, o Tio Deguinho e o Zé Geraldo, pois os dois que eram  responsáveis pelas entregas, sempre  os últimos a sair do mercado.A dupla foi batizada pelo Sebastião Toledo como Carga Pesada, o Pedro e o Bino das entregas.

A noite com o Zé Pequeno pagador foi boa, o copo não parava vazio, mas o Zé Geraldo resolveu ir embora cambaleando, o Zé Pequeno já confundindo Jesus com Genésio partiu também.

Quem tava firme ainda era o Tio Deguinho que só arredou o pé pra mudar de buteco. Pegou sua bicicleta atravessou a Praça 28 de Setembro e foi para o Bar do Manoel perto do Rio Xopotó.

Já tarde da noite, o Tio Deguinho deu conta que roubaram sua bicicleta e pra completar a aventura, caiu um toró de chuva.

Não teve jeito, precisou esperar o tempo melhorar, pois sem bicicleta teria que ir embora a pé.

Tio Deguinho pediu mais umas pingas ao som da chuva na beira do rio e ouvindo o toca fita do bar a música do Gino e Geno :

"As águas do São Francisco estavam próximas da ponte... Deixei as águas baixar... ao lado da moreninha...."

Só que o rio era o Xopotó e a moreninha era uma pinga branquinha.

A Tia Irene em casa estava preocupada e ligou para o Nelsinho em busca de informação do seu Mineiro, ninguém sabia do seu paradeiro, tempo que não existia celular.

A chuva passou e já de madrugada o Tio Deguinho chegou em casa, alivio pra toda família.

No outro dia o comentário foi geral, pois Mineiro que acompanha pato...

Nota :

Wallas não estava nessa. Motivo, casado fresco.

Aldeir Ferraz 

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

ZÉ PEQUENO ENGRAXATE

O telefone tocou, antes de atender verifiquei se não era o terrivel 011, não era, então atendi:

- Alô!

- Fala Aldeir! Aqui é o Zé Pequeno, engraxate da esquina do Pecado, para seu texto que vou contar pra você sobre o comércio da Rua Nova. Engraxei o sapato daquele povo todo dali.

 Naquele região tinha o armazém do seu Tio Jesus e do Luís Monteiro, também os secos e molhados do Aristeu Pires. O Zé Salim tinha material de construção.

O. Armarinho do Foca, onde tinha de tudo em se tratando de confecção. Roupa pra homem, roupa pra mulher, pra criança, pano para costureiras...

O Armazém do Zé Abílio , o Atacado do Zé Rodrigues a distribuidora de bebidas da Antartica que era junto com o Armazém do Bert.

Tinha o Soares que fabricava gaiola, as quitandas do Elcio, Omar, Expedito Ignacthi. A casa do Sr Milton Assis. A esquina do Pecado tinha o bar do Zico Moisés,depois era a loja do Zé Oreia.

Mais pra frente tinha o forró do Arlindo Gastão, Padaria do Zú, pai do Tuca. A casa da Mamãe, era uma lojinha de roupas e presentes.

Tinha a Casa Sarmento, o Banco Nacional, a Ótica Esmeralda, Farmácia do Zé Nilton.

Lembro do Bar do João Ferraz, que depois foi do João Dutra. Seu tio Natalino trabalhou muito tempo ali.

Tinha a Escola Laudelina Baradier e antes do Cabe Um do Didi, uma quitanda que vendia umas maçãs gostosas, trocava jornal velho por revista em quadrinhos.

O Bar do Zé Iasbik, a padaria do Durval Andrade. Foto São João, Foto Carlão.

A Escola de Datilografia Remilton, a Farmacia do Assis.

A maioria das casas eram de pau as pique.

O Supermercado Dular do Zé Machado, a Venda do Osvaldo Capobiango, a quitanda do Amantino, o Açougue do Paulo Rosa.

Os Butecos do Zé Basilio, onde tinha o melhor figuinho, figoticos da região. Os salgados do Sr Zé Dutra, o buteco do Butão já existia.

A casa de ferragens do Mussolini, a loja de material de construção do Luiz Zonta, a sapataria do Naim...

Tinha duas oficinas de bicicleta uma do Zé, vivia fechando cedo pra pescar e a outra...

A livraria Alcântara do Didi, tinha também o Supermercado Bem Bom que ia de uma rua a outra, do Vani.

O Supermercado do Zezinho em uma rua e a quitanda do Zezinho na outra.

A Discolândia onde tinha todos os lançamentos de discos e fita k7 de sucesso.

O meu barbeiro era o JReis, mas tinha o Claudinho Cabelereiro que era para os vips.

Ah!  também tinha a leiteria do Toninho que fazia vitamina, onde dava para saborear um batida de abacate com leite.

A Casa 3 Irmãos, salão do Toninho Barbeiro, Elite Bar, Minas Caixa...

Alguém lembra de mais ?

Êta Zé Engraxate!!!!

Aviso:

Este texto não se prendeu a temporariedade e espaço dos estabelecimentos comerciais, ou seja, não necessariamente existiu ao mesmo tempo.

Isso é apenas a memória de um engraxate que já não tem mais suas unhas pretas.

Aldeir Ferraz





UMA ENTREGA TORTA


Final de sábado e o supermercado Ferraz  ainda movimentado com muitas entregas a serem feitas, dias em que as pessoas com seus salários recebidos correm as compras para não deixar a dispensa vazia.

Na padaria do estabelecimento várias entregas de bolos e tortas encomendas por fazer, sábado também é dia de festas. 

Mateus responsável pela entrega pega as encomendas e como seria a última entrega me chama para ajudar, séria a última viagem.

E lá fui eu segurando um a torta retangular grande  e de olho nas outras dentro do carro até o seu destino que era uma casa em uma rua íngreme, assim fizemos a última entrega para um aniversário.

Voltamos com o sentimento do dever cumprido, mas eis que ao chegar na loja a turma do caixa dá o alerta, a entrega foi trocada, cupons trocados e uma torta redonda que deveria ser entregue na casa que entregamos a retangular ficou para trás e a retangular estava sendo aguardada em outra casa para uma festa de casamento.

Danou-se tudo e logo pensei no casamento, já vi noivo, noiva e até padre atrasar na cerimônia, bolo é primeira vez.

De galope pegamos a torta certa e junto com a Luciana do caixa voltamos a casa da torta errada.

Todo sem graça Mateus chamou  na  casa e nada do povo atender, tava um silêncio, mas a porta estava aberta.

Na aflição adentramos pela  casa afora, o dono estava dormindo no quarto e  nada de acordar, e olha que estava com a TV ligada no jogo do flamengo, devia ser torcedor do fluminense aborrecido; a Luciana da cozinha gritou que a torta estava lá inteira ainda e mais do que depressa fizemos a troca sem o dorminhoco perceber.

Saímos correndo com a torta retangular para o lugar certo que era o casamento, conseguimos chegar a tempo para noiva  cortar o primeiro pedaço que foi oferecido para nós, os entregadores.

Ufa que sufoco, tudo que é situação torta pode indireitar, basta corrigir o erro ,kkk.


Aldeir Ferraz

terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

VIZINHO

Um bom ponto, conta com um bom vizinho e isso o Supermercado Ferraz foi abençoado.

E nos 35 anos do Ferraz não poderia deixar de destacar.

Tem coisas na vida que são importantes de mais da conta, vizinho é uma delas. Todos irão concordar que eles são os parentes mais próximos e que até valorizam o local onde se vive.

Faltou o açúcar, faltou o café, pode pedir que sem dúvida te emprestam, se bobear te chamam até para tomar o café quentinho junto.

Graças a Deus sempre tive a felicidade de ter boa vizinhança e lá na casa dos meus pais sempre foi assim. 

Eu era bem moço quando morou do lado da nossa casa um casal que veio da roça e que tinha uma família muito grande, mas que já estavam todos bem criados e tocando a vida com as pernas próprias.

Dona Joaquina e Sr Ampério como boas pessoas que sempre lidaram com a vida do campo, vindo morar na cidade de cara já fizeram no fundo da casa uma horta bem farta.

A nossa divisa com eles era um longo muro de placa e existia um pé de goiaba no meio que tinha galho de um lado e do outro. Dali eu ficava curtinho o plantio e o cuidado dos dois com a horta.

Tinha couve, tinha almeirão, tinha alface, cebolinha, salsinha, até pé de tomate, claro que também havia plantas que curavam de tudo, boldo, macaé, losna, pé de galinha...

De manhã a mãe sempre ia lá buscar verduras frescas para o almoço, outras vezes eu ou alguns dos meu irmãos que buscávamos, quando não dava pra ir , pedia pelo muro:

- Oh Dona Joaquina, Oh Sr Ampério...

Você pensa que chamávamos só pra isso , claro que não, tinha hora que a bola caia lá no quintal deles, aí a gente gritava também.

A frente da casa deles tinha uma janela que o velho Ampério gostava de ficar e para prosear com os conhecidos.

Lá de dentro ele sempre gritava para os que passavam na sua calçada.

- Chega mais, vem aqui tomar um pescoção!

Um dia me assustei com aquilo e longo imaginei,  êta homem bravo, mas logo me chamou também e como curioso e as pernas finas, eu fui, qualquer coisa dava no galope.

Mas lá tinha uma turma em volta dele rindo , espirrando e logo ele me ofereceu:

- Quer Também? E enfiando sua mão no bolso da calça, aliás um bolso enorme, retirou uma latinha, abriu e levou perto do meu nariz.

- Assusta não que é rapé.

Na mesma hora dei aquele espirro de estremecer.

Reparei que aquilo era como um ritual, mais do que um vício, pois os espirros provocados dava uma limpeza não apenas física mas espiritual, aquela sensação de alívio, de leveza

Depois daquela, toda vez que o encontrava pedia um pescoção.

Êta tempo bom!


Aldeir Ferraz 

DESCONSTRUÇÃO


Nascemos de uma construção, célula por célula nos formamos ainda dentro do ventre da mãe em um pequeno ser que ganha o mundo em um parto.

Já do lado de fora na imensidão deste mundo continuamos a nossa construção. O corpo pequeno de bebê vai evoluindo, torna-se criança, jovem e adulto.

Nessa construção, da inocência rumamos para a maturidade numa evolução do aprendizado daquilo que nos cerca em nossa volta, ou seja, somos a cultura do meio em que convivemos.

Pode ser que a construção cultural sofra alterações em virtude de uma outra forma de viver, apesar de nossa personalidade ser dificilmente mutável.

Em um determinado momento da nossa evolução/construção o inverso começa a acontecer, a desconstrução.

Com avançar da idade começamos a nos desconstruir, células morrem mais do que nascem, energias adquiridas já começam a se esvair.

dos primeiros passos e as correrias cotidianas, a lentidão começa a dominar.

Todas as afirmações que defendíamos, já não defendemos mais com convicção;

A coragem de avançar no tempo, já é substituída pelo medo de avançar;

A certeza é trocada pelo talvez;

Os desejos somem diante das lamentações;

Mas existe algo teimoso que só cresce e não regride, os sonhos.

Os sonhos, ah! Os sonhos estes não param.

Porque se chamava moço

Também se chamava estrada

Viagem de ventania

Nem se lembra se olhou pra trás

Ao primeiro passo, aço, aço

Aço, aço, aço, aço, aço, aço

E cá estou, 49 anos no caminho da desconstrução.

E lá se vai mais um dia



Aldeir Ferraz




ALEGRIA

 Duas considerações para escrever este texto:

A primeira é que resolvi reforçar minha memória com omega 3, pois muita coisa boa se perde ao longo do tempo.

A segunda, resolvi colocar o titulo do texto de "Alegria" porque este cara que vou falar era isso mesmo.

José Alves Pereira, um negão que transmitia boas energias, assim como toda sua familia que sempre estavam fazendo suas compras no Ferraz.

Dono de uma simplicidade e de uma vida dura de trabalhador, deixava a todos nós com a alegria de viver.

Alguns histórias recordo dele, como aos sábados durante suas compras pedia sempre o sabonete mais cheiroso, na época o Vinólia. Fazia questão de andar perfumado.

O perfume segundo ele, era para ir sabado a noite buscar pão na padaria. Pão fresquinho Domingo de manhã era outra coisa. Só que ele virava a noite no forró e era de manhã que chegava em casa.

Quando perguntávamos a ele se a esposa não ficava brava, respondia que a culpa era do padeiro que esquecia sempre de fazer a massa do pão crescer.

O Zezé, como seus irmãos lhe chamavam, gostava da vida, falava que não queria morrer. Seria preciso juntar uns quatro homens fortes para subir o morro e levá-lo para o cemitério, pois não iria de forma alguma com suas próprias pernas.

Salve José Alves Pereira, Salve toda sua Familia, Salve sua Alegria.

Que lá do Céu mande sempre boas energias para todos nós.

Aldeir Ferraz


domingo, 7 de fevereiro de 2021

GATO POR LEBRE

 Como diz o Netinho: 

" A história não foi assim, foi mais ao menos assm! " Então se assim dá pra contar.

Nossa testemunha ocular da história dos 35 anos do FERRAZ, Wallas,revelou a história da Dona Nenê.

Ela morava ali no terreno do Zé Leopoldo ao lado da garagem da Oran uma casa simples e bem pequena.

Gostava de comprar no armazém Ferraz pela forma carinhosa como era recebida, principalmente pelo atendimento do Nezinho.

Este atendimento fazia com que ela retribuisse sempre de alguma forma.

 Segundo o Wallas, toda vez que a D.Nene passava no mercado trazia carne para o Nesinho, depois ficamos sabendo que era carne de gato.

Será verdade ou apenas intriga de quem tinha ciumes do carinho.

Aldeir Ferraz


Paraguaio e Tibúrcio

 


Fim de tarde , sexta feira e lá no armazém já começava a movimentação do povo para fazer as compras, garantir as latas cheias com o dinheiro recebido da dura lida da semana.

Com facões e enxadas ainda sujos de terra de tanta campina muitos chegavam em suas bicicletas surradas ou nos caminhões que tinham suas carrocerias loadas com aquela gente.

A roupa da turma do corte de cana cobria todo o corpo para evitar os arranhões das palhas, era a moda da hora, não se ia em casa para colocar uma vestimenta melhor pois a pressa de abastecer de comida a casa era prioridade.

O centro da cidade de Visconde Do Rio Branco se alegrava, tinha muito sorriso em meio a  vida dura exposta no rosto aranhado e sujo de carvão de cada homem e mulher.

No meio daquele movimento todo a beira do balcão do armazém cada um pedia seus mantimentos:

- Dez kilos de arroz, 3 kg fubá, , macarrão, massa de tomate, 1 kg de sal, 100grs pimenta, 5 sabão coringa, 01 garrafa de querosene...

O dinheiro era pouco não tinha muito o que comprar, mas o fumo de rolo não faltava e também a linguiça mista que ficava pendurada em um varal improvisado por cima do balcão.

Entre os fregueses que atendia, tinha uma alegria de dar assistência a dois em especial, Paraguaio e Tibúrcio.

Não era nenhuma dupla caipira, nem tampouco artistas de humor, mas quando chegavam a festa estava feita.

Impressionante como sabiam lidar com as dificuldades da vida, brincavam com tudo e com todos.

Uma canção inventada já era o anúncio da chegada deles na porta do armazém:

" Ah se Deus me ouvisse e mandasse pra mim 02 kg de carne e 01 kg de tocin  deixaria minha tristeza e faria feliz os meus fios barrigudin.... "

O Paraguaio  era cantador e tinha um violão em casa e junto com Tibúrcio vez ou outra davam uma palinha lá na comunidade onde moravam.

Tinham muitas histórias pra contar e ali atendendo ao seus pedidos viajávamos nos causos contados.

Uma riqueza que não se mede é a oportunidade de conhecer pessoas com simplicidade, alegria e energia para viver em meio as dificuldades.


Aldeir Ferraz

O VELHO NICANOR


Muitos fregueses passaram na História do Supermercado Ferraz, na maioria tornaram-se  mais do que fregueses, deixaram a amizade e muitos casos pra contar, como o Nicanor.

O Sr Nicanor era um homem alto e forte que possuia uma voz firme, sempre se vestia com um paletó meio amarrotado,chapelão estilo coronel, calças de tecido tergal e botinas surradas,tudo cheirando naftalina.

Na entrada da sua casa tinha uma varanda com uma velha cadeira no qual ficava  horas e horas a cumprimentar as pessoas que passavam na rua e ali também recebia os amigos para longos causos.

Viúvo a décadas e com a familia toda criada, cada um com rumo diferente, morava sozinho e sempre com um ton de bricandeira clamava que na sua vida já não lhe faltava mais nada, apenas uma morena para viver com ele em seu lar. 

E por falar em lar, dentro de sua casa era uma tranqueira só. Muita roupa espalhada pelo sofá e dentro de um  armário que já não fechava as portas, máquina de costura da falecida, pratos e panelas pendurados nas paredes ao lado de teias de aranha, havia também o fogão de lenha com as trempas todas enferrujadas.

O rádio antigão ficava próximo da porta da varanda com volume alto que dava para se ouvir lá na esquina, sempre atento aos programas da emissora, as noticias de falecimento e no horário

Falando em horário, de manhã fazia ele mesmo o  café e quanda dava a hora do almoço, verificava no seu relógio de bolso a hora certa , montava em sua bicicleta monark vermelha e partia para a pensão da Mariazinha no centro da cidade, perto da igreja, lá almoçava todos os dias.

Quem conhecia o Nicanor brincava muito com ele sobre  a bagunça na sua casa:

- O Sr Nicanor tem que fazer uma faxina na sua casa, deve ter muita pulga lá!

E o velho Nicanor respondia:

- Que nada meu filho, tem pulga não, os percevejos comeram tudo.

E dando suas garagalhadas a toda brincadeira feita e todo causo contado, vivia sua vida , como mesmo dizia , do jeito que Deus vai mandando.

Aldeir Ferraz

MARCAS DO QUE SE FOI (PARTE 03)

 A alimentação é essencial para nossa vida. Isso é fato, ocorre que alimentar se tornou também a necessidade de satisfazer nossos desejos e virou um status.

Quem trabalha no comércio alimentício percebe como é essa busca por produtos que garantem a vida, supre os desejos e aponta nossa posição social.

Desde o inicio do armazém Ferraz passei a notar esta situação nas compras de muitas pessoas.

A qualidade versus preço, a propaganda versus o costume é o conflito na hora da escolha.

Dentro do comércio é preciso atender todo o tipo de perfil.

Marcas antigas mostram o costume que vem de geração, como o macarrão Guiricema. Por décadas vêm passando de pai pra filho. O Galo com macarrão tem que ser do Guiricema.

A diferença social durante um tempo era mostrado por aquilo que se adquiria, exemplo:

Extrato tomate Cajamar coisa do povão, extrato tomate elefante era para os mais abonados;

Oléo de milho Mazolla só rico comprava, óleo de soja mais para o povão. O consumo de óleo para a maioria do povo da roça se dividia com a gordura de porco, muitos tinham hábito de criar porcos em chqueiros;

Bacalhau era coisa de rico, o peixe majubinha  para o povo mais pobre;

Arroz japonês, agulhinha para quem tinha mais dinheiro, arroz quebradinho e santa catarina para os mais pobres.

Alcaparras, cogumelos, atum, ervilha.... Itens raros na lista de compras do povão.

Hoje este cenário mudou e o desejo domina a compra de todos e é claro com a  melhora do poder aquisitivo.

O pé de galinha que era um alimento só de pobre, depois que os mais ricos descobriram que ele tem colágeno, disparou no preço.

O pé deu um salto e ficou caro.



sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

MARCAS DO QUE SE FOI (PARTE 02)

 A história nos conta que foram os índios que ensinaram aos colonizadores a tomar um banho, ser mais cuidadoso com a higiene pessoal.

Nos dias atuais contamos com uma infinidade de produtos que nos garantem nossa higiene, mas não era assim em décadas passadas.

Lá no inicio do armazém Ferraz existia produtos de higiene pessoal que eram adquiridos pela freguesia.

O interessante que o produto adquirido mostrava qual sua posição social econômica.

O sabão por exemplo, a marca coringa, um sabão preto era comprado pelos mais pobres. O sabão verde da marca radical era comprado pelos mais remediados e o sabão brilhante (azul e cheiroso) era para os ricos.

O sabonete gessy era do povão, o lux dos remediados. O sabonete Phebo, Francis e lux luxo era dos mais ricos.

Tinha uma situação diferente com o sabonete francis de caixinha. Ele servia como presente, quem nunca ganhou ou deu um de presente?

Os perfumes eram uma beleza, pois naquele tempo era moda andar muito cheiroso, atraía namoro e espantava mosca.

Desodorante Phebo, Rexona, Musk, almíscar, Leite de Rosas, Leite de aveia Davene....

O almiscar era muito usado por padres, lembro do Padre Raimundo que nos abraçava com sua batina e aquele perfume ficava empregnado na gente por muito tempo.

O perfume musk era do tempo que nós homens andavamos com a camisa meio aberta pra mostrar o cabelo do peito perfumado. Na verdade morríamos de inveja do Tony Ramos.

O cabelo era lavado com sabão de côco e os mais abonados usavam creme rince, neutrox, shampoo colorama e para os cabeludos tinha o gel, oleo de ovo e babosa.

Na pele pra tirar alguma frieira tinha pomada minancora, o polvilho antisepico para o chulé, dava pra colocar maizena também.

Por fim não podia faltar neocid que matava bastante piolho.

Aldeur Ferraz


quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

MARCAS DO QUE SE FOI (PARTE 1)

 Se eu tiver enganado me corrijam, mas as décadas de 70 e 80 aceleraram o processo de influência das propagandas em nossas vidas.

A personalidade muitas vezes se formatava por publicidades.

O cigarro era clássico nesta formação, cada marca ditava uma regra.

Lá no armazém Ferraz quem comprava o cigarro Mustang era meio peão, meio cawboy. Os cigarros Continental, Vila Rica era do povo ligado ao futebol, aos bares, bate papos, a turma que sempre levava vantagem.

O Carlton, Minister, Malboro era de uma elite de empresários, gente importante, autoridades de alto escalão. Os cigarros Hollywood, Free, Plaza, tinham adeptos com a galera das viagens, da vida mais liberal.

Cigarros filtro longo como o Luxor e o Shelton era do pessoal mais filosófico. Lembro do Prof Milinho, que sempre fumava destes com uma cigarrilha.

Os cigarro, Arizona,derby, imperador sem filtro, fumo de rolo, fumo capitão, dois irmãos, Arapiraca era do povão.

O Charuto cubano era para os comunistas.

Consumir estas marcas promovia a sensação de pertença.

Quem fumava tinha status, era chique e até arrumava namoro.

Eu mesmo comecei a fumar o cigarro Tempo, um cigarro diferente de cor marron, lembrava charuto, pra arrumar uma namorada.

Dei sorte e fui convencido a parar de fumar por causa do meu primeiro namoro.

Aldeir Ferraz



PIMENTA NO OLHO

Uma comida bem temperada é outra coisa. 

Aqui no interior mineiro, o sabor da comida é incomparável. Quem nunca saboriou um franguinho com quiabo?

O sabor tem haver com o tempero no ponto certo.

A pimenta é uma especiária muito usada.

Lá no armazém Ferraz tinhamos uma máquina de moer pimenta do reino, tradição que veio lá do tempo do Jesus Cardoso.

Moíamos kilos e mais kilos de pimenta. Como era vendido naquela época! Sacos e mais sacos de 25 kg eram encomendados, tudo em grão pra ser moido e colocado em uma lata fechada. Era abrir e o cheiro era forte.

Os açougues compravam a pimenta para temperar as linguiças.

Já trabalhei moendo muita pimenta e aquilo fazia espirrar com o cheiro forte e aí se passassemos a mão nos olhos, ardia que era uma beleza.

A maior propaganda da pimenta era o espirro.

Espirrou, o freguês mandava aumentar mais no peso.


Aldeir Ferraz

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

CANA DE AÇUCAR

 A cidade de Visconde do Rio Branco era cercada por plantações de cana de açucar. A maior parte das terras eram da Cia Açucareira Riobranquense, mas existia também os pequenos e médios canavieiros que cultivavam cana em suas terras para fornecer para usina. Alguns deles mesclavam seus negócios com produção de rapadura e cachaça.

Tínhamos uma economia dependente da sazonalidade da cana. A safra começava mais ou menos junho e julho. A festa de São João Batista, padroeiro da cidade, dava o tom de uma cidade movimentada, aliás todo mês de junho era uma festança só.

O armazém Ferraz ficava sempre cheio com o povo trabalhador tanto da usina, como na lavoura.

Os dias de pagamento, caminhões e mais caminhões paravam no centro e deles desciam as turmas com dinheiro no bolso para realizar suas compras.

Era uma alegria só estes dias de pagamento, pena que o dinheiro que recebiam acabava muito rápido.

Com sacos cheios de suas compras subiam novamente nos caminhões e partiam para suas casas. 

O trabalho neste periodo de corte da cana não faltava, quem estava parado era só comprar um facão e um par de kichute e entrar nas turmas.

Facão, enxada, kichute, chapéu eram produtos que mais vendiam.

Tempos duros, tempos diferentes, mas tempos em que a convivência era mais sincera e doce.

AldeirFerraz

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

ARROZ COM FEIJÃO

 O nosso prato segue a tradição até hoje. O arroz com feijão é de fato sagrado nas nossas mesas.

Apesar de serem os primeiros produtos na hora da compra, o arroz e feijão perderam o espaço na produção na nossa região.

No inicio do armazém Ferraz, a maior parte ou totalidade da compra de arroz e do feijão era feita aqui na região.

Visconde do Rio Branco possuia várias Máquinas de Arroz. Tinha o João Filipinho, Francisco Ferraz, Adão Ferraz...

Para enchermos os caixotes do armazém compravamos o arroz em casca e levavamos para as máquinas beneficiarem.

Tinha arroz caturra, Santa Catarina, agulhinha, goianês..... Isso não era marca não, era a qualidade do arroz, coisa que poucos conhecem hoje.

O feijão era produção de grande fartura na região, sempre chegava alguém com sacos e mais sacos de 60kg em suas charretes para negociar.

Tinha feijão vermelho, preto, carioquinha e que eram conhecida suas produções como feijão das aguas, feijão 60dias....

O feijão para não dar bicho que estragava os grãos, usava-se terra de formiga, outros usavam um comprimido que colocava se no meio da sacaria e ficava conservado.

Hoje a produção regional é baixa, vem a maior parte de fora.

Aldeir Ferraz



Vá na Fé Mestre Dão

O caminho agora é outro! Nossa! Quanto chão ficou pra trás. Lá na roça a quantidade de dias de Sol que tomou no lombo. Os calos na mão, cres...