domingo, 28 de junho de 2020

RUÍNA




Um homem que cavalgava, sobre um cavalo com trotes lentos, rumava para o seu fim.
Era uma tarde, quase noite  e Chiquito, um  mestiço, corpo castigado pela lida da roça, quase maltrapilho, rosto coberto por uma barba rala e na cabeça um chapéu empoeirado, saíra de uma pequena venda de roça onde na beira do balcão esvaziara um litro de uma cachaça servida pelo atendente.
Cambaleando e com dificuldade subiu em seu animal e seguiu caminho. Todos que ali estavam já pouco ligavam para aquela cena,pois nos últimos tempos aquilo era uma rotina.
Seus olhos vidrados não enxergavam nada a frente, contava apenas com seu cavalo pra chegar em casa.
O seu destino estava selado, sua última viagem chegou ao fim. Na curva do caminho, uma estrada fechada por mato de um lado e outro, um tombo, a cabeça em uma pedra e.... Ainda foi socorrido, mas ali se encerrou a sua vida.
A vida, na verdade já não existia mais pra ele. Era uma questão de tempo e como aconteceria seu fim.
A amargura que carregava lhe consumia. Já não era um humano inteiro, era uma ruina humana.
Sua história trágica vem de muito sacrificio na lida da roça. Tinha muitos filhos, todos pequenos e se dedicava a criá-los.
Uma tragédia lhe abateu e transformou o seu rumo. Um de seus filhos perdeu a vida ao brincar com uma arma de fogo. Ela disparou e o feriu fatalmente. Desesperado ao ver seu filho sangrando, pegou-o em seus braços em busca de ajuda, mas era inútil.
Diante do corpo de seu filho e da sua família entrou em choque.
Já não havia mais energias dentro de si, e ali naquele momento o seu destino estava traçado.
Daquele momento até a curva da estrada não se contaram um ano. Uma história que o tempo distanciou e mostra como frágil somos diante das durezas da vida.

Aldeir Ferraz

O VELHO E O LIVRO

Gosto de livros. Claro que tenho preferências e também críticas.
Registrar pensamentos, ideias, ensinamentos é fundamental para nossa existência.
 O conhecimento extraído dos livros nos ajuda a evoluir. Seguindo as escritas podemos evitar erros e acertar mais na caminhada.
Duas coisas sempre fui incentivado a fazer, ler livros e ouvir os mais velhos.
Sobre ouvir os mais velhos é sim tão bom ou até melhor quer fazer uma leitura.
Existem povos que tem em seus velhos o carinho e o respeito de um ser que carrega contigo um poço de sabedoria e conhecimento. Para estes povos é vital a existência de um idoso entre eles.
Penso que não é somente o que um velho tem a nos dizer que vale, mas também o seu jeito de ser, as suas rugas provocadas pelo tempo nos traz aprendizado.
Em tempos de pandêmia é costume ouvir que quando alguém morreu pela Covid19, já logo perguntam e em seguida afirmam: É velho? Já ia morrer mesmo.
Estamos criando a cultura do descarte humano. Não estamos levando em conta que somos essência.
A essência quanto mais velha melhor fica.
Nesta vida é preciso amar o que há de bom, portanto abra um livro e leia, e antes que seja tarde demais, sente ao lado de um velho e ouça o que ele tem a dizer,  olhe para ele e receba toda a energia de vida que certamente vai nos oferecer.

Aldeir Ferraz

quinta-feira, 25 de junho de 2020

LUZ E POEIRA


O silêncio foi rompido com a porta se abrindo. A luz de fora adentrou antes de mim e logo revelou o que ali estava intacto. Uma leve poeira se levantou e seguiu em direção ao facho de luminosidade.

Meu olhar circundava aquele ambiente e meu coração acelerava a cada direção que mirava e nem conseguia piscar, somente admirar.

Estava ali, tudo estava ali, a máquina de costura, as ferramentas, os moldes, sua carteira de trabalho… Ah! Que orgulho que era possuir uma carteira de trabalho, uma profissão.

Quando pequeno gostava de entrar naquela oficina e ver meu avô na sua lida, consumido pelo trabalho e fazendo tudo com prazer.

Dizem que viemos no mundo para transformá-lo. Aquela oficina era assim, transformava o que tava ruim em belo.

A cada passo que dava, algo estranho parecia acontecer, comecei a sentir as coisas se mexerem, a costura de um tecido, o corte de um molde, o arredar de um móvel, que barulho espantoso chegava aos meus ouvidos. Era isso mesmo, sentia a sua presença, sentia a sua agitação, tudo naquela hora se tornou mágico. Enchi-me de orgulho de tudo.

Não! Definitivamente não são velharias, tudo tinha vida, tudo tinha história pra contar.

Interessante que nos dias de hoje perdemos essa essência de preservar, de recordar, tudo se torna lixo que precisa ser afastado de nós, enterrado.

E as horas se passaram rápido com minha viagem no tempo, não queria sair, queria continuar meus pensamentos, minhas lembranças e o calor da presença espiritual dali.

Tive que partir, nada alterei e de pé em pé caminhei para a porta e quando fui fechar vi ainda o facho de luz que continuava a guiar a poeira em direção a pequena fresta de uma janela.

Porta trancada e um barulho surgiu lá de dentro, uma lâmpada piscou, estranhei mas logo tudo cessou.

No caminho pensei, sim ali não jaz um passado, ali uma existência se eternizava


Aldeir Ferraz

terça-feira, 23 de junho de 2020

A ESTRELA D'ALVA






"...A estrela d'alva
No céu desponta
E a lua anda tonta
Com tamanho esplendor
E as pastorinhas
Pra consolo da lua
Vão cantando na rua
Lindos versos de amor..."
Canção imortalizada na voz de Dalva de Oliveira, letra de Noel Rosa e Braguinha.
Quem já não cantou tal canção como boêmio que virava a noite se embebedando com os amigos e curtindo as paixões joviais ou não.
Virar a noite e no fim da madrugada e próximo ao amanhecer, olhar o céu e vislumbrar Vênus, a nossa estrela D'alva.
Vênus um planeta, mas que tem um nome de uma deusa grega. Isso nos faz encher de encantos e suspiros imaginando o amor vivido, amor que vive ou que ainda vai viver lá distante.
E lá no céu este amor brilha solitário.
Esse momento êxtase de contemplação se interrompe com os pássaros e o rompimento do silêncio da cidade que começa a agitar e aquela paz se derrete.
"...Linda pastora morena da cor de madalena
Tu não tens pena de mim
Que vivo tonto com o teu olhar
Linda criança tu não me sais da lembrança
Meu coração não se cansa
De sempre sempre te amar."

Aldeir Ferraz

sábado, 20 de junho de 2020

ESSA TAL ESPERANÇA

Esperança, uma palavra que é sempre dita pelos otimistas, pelos que têm fé, pelos que têm muita energia dentro de si.
Pode existir várias formas de definir a esperança, mas ouvi uma que carrego sempre comigo, a espera confiante.
Esperar confiante é como se fossemos um pássaro no alto de um mirante a espera do nascer do Sol em um despertar de uma manhã.
Este pássaro ali, após repousar de uma noite fria, sente a primeira brisa matutina lhe tocar as penas. Seus olhos se abrem com a luminosidade e na certeza do céu que lhe espera, ergue as asas e levanta voo. E ele voa sem se preocupar com a finitude da vida, apenas celebra o seu momento no espaço.
Essa tal esperança nos enche a vida, jamais devemos abrir mão dela, mesmo que a nossa frente tenha um precipício.
Do precipicio, o nosso pássaro fez dele o seu mirante, a sua espera confiante da luz do Sol que surgiu e  lhe proporcionou o céu para voar.
Viva a esperança sempre!

Aldeir Ferraz 

quinta-feira, 18 de junho de 2020

A ORIGEM


A história do casório entre nossos pais, Dalica e Zé Ferraz, a contextualização da época se faz importante para que possamos compreender o que se passou no período.

Os costumes dos tempos atuais diferem muito dos longínquos tempos do século passado.

Visconde do Rio Branco final da década de 1950 e início de 1960 tinha uma população com cerca de 24 mil habitantes com uma economia voltada para a cana-de-açúcar e boa parte da população encontrava-se na zona rural.

O censo informava que haviam cerca de 4742 famílias, sendo 3701 com cônjuges, ou seja, haviam famílias que a sua frente faltava o esposo ou a esposa, certamente por viuvez ou alguma separação.

Destas 4742 famílias o chefe da casa, como era entendido na época, era 4071 homens e 671 mulheres, dados encontrados no IBGE.

Neste contexto a família da nossa mãe fazia parte do grupo menor com o chefe da família sendo a nossa Vó Jovelina que conduziu a criação de sua prole como viúva.

Os filhos e filhas foram crescendo e constituindo família e a caçula da casa, Dalica não poderia ficar para trás.

As mulheres tinham os seus afazeres domésticos e os homens ficavam com a lida do campo. As festas e encontros tinham a predominância religiosa. Rezas, quermesses, casamentos, batizados eram os pointes que promoviam o maior conhecimento entre as pessoas.

Para que acontecesse um namoro, noivado ou casamento, a interferência de um terceiro era o costume, ou seja, quem fazia o pedido ao pai ou a mãe da moça era alguém de renome na comunidade.

Já o Zezé, nosso pai, filho mais velho de uma família também grande, que lidava para sobreviver com o que produzia da terra, tinha os seus compromissos junto ao seu país, nosso avô materno.

Família grande naquela época era importante pois mão de obra era fundamental, quanto mais filho, mais trabalho, mais produção.

Muito religioso e trabalhador, Zé Ferraz (o Zezé) tinha uma bicicleta que após a lida sempre estava nas rezas e quermesses.

Estas duas famílias se encontraram em matrimônio por duas vezes. Esta parte conto no próximo texto.


Aldeir Ferraz

quarta-feira, 17 de junho de 2020

A ENERGIA QUE NOS GUIA

No clarão do meu quarto produzido por uma lâmpada acesa, pus-me a refletir sobre aquela luz.
Uma lâmpada para cumprir o seu papel precisa de ser movida por algo que chamamos de eletricidade que fornece  energia.
Essa energia se origina de uma usina de força que produz a situação de luminosidade da lâmpada.
Nós seres vivos, também temos nossa usina de energia vinda dos alimentos, sem eles de fato teríamos nossa existência comprometida.
E o que nos move neste mundo é manter a existência de alimentos suficientemente para que haja vida.
Os seres humanos diferente dos outros seres possuem uma lógica diferente na busca da energia. Acumular, reter energia é simbolo de domínio, mesmo que você não precise de tudo. É a irracionalidade que dizemos ter apenas os outros seres, quando não é, pois os outros seres a usam racionalmente.
Dentro de nós seres humanos existe uma outra energia que move o nosso ser ou espírito.
Essa energia que a maioria chama de Deus ou outras formas de pensar de alguns é que promove nossa relação como humanidade.
Essa energia promove diferentes reações que chamamos energia do bem ou energia do mal.
Penso que se conseguirmos calibrar melhor nossas energias, potencializando o bem mais do que o mal, certamente poderíamos chegar a viver como os outros seres vivos.

Aldeir Ferraz

quinta-feira, 11 de junho de 2020

CONTO DE FILHO PRA PAI "DUPLA DE REZADORES"

Não tinha pra ninguém. Em matéria de cantar e rezar, lá estavam o Tião do Cadico e o Zé Ferraz. De mistério em mistério debulhavam o terço na categoria, com direito a cantoria.
De noite se encontravam depois do trabalho e seguiam rumo as casas. Tião empurrando a bicicleta e o Ferraz do lado. Conversa os dois tinham pra mais de quilômetro.
Nas celebrações caprichavam na oratória e a coisa estendia e a turma mais nova cortava uma virada, pois o negócio esticava. Quando percebiam a pressa da turma, alongavam os terços.
Acabava as dezenas de pai nossos e ave marias e resolviam rezar mais.
Quem saia das suas rezas, com certeza saiam benzidos e de alma lavada.

Aldeir Ferraz

UM ABRAÇO

As manhãs são muito corridas, mecanicamente fazemos o ritual apressado de sair de casa e ir para o trabalho.
Em uma destas manhãs, no ritimo rotineiro da casa para o trabalho, me deparei com uma cena impactante.
Um abraço entre duas pessoas, a lágrima de um e o consolo do outro. Certamente deveria ser algo que rompeu com a estrutura para fazer alguém desabar.
Este desabar, a estrutura rompida, revela o humano que ainda existe dentre de nós.
O abraço é um remédio poderoso que nos ajuda a se manter firme e poder se levantar diante de uma dor.
Somos carentes do calor do outro, mas negamos isso na normalidade. Somente quando algo forte nos afeta é que notamos a falta que faz.
Mesmo não fazendo parte daquele abraço, me senti abraçado, me senti energizado.
Que surjam mais abraços com frequência e resgatem a humanidade que insistimos em negar.

Aldeir Ferraz

terça-feira, 9 de junho de 2020

CONTO DE FILHO PRA PAI "REZA DOÍDA"

As rezas na roça sempre foram um momento de fé e encontro da comunidade.
Lá na comunidade de São Francisco era assim mesmo, o povo se ajuntava em oração e depois tinha as cantorias, os leilões, a conversa na beira da venda,enfim, verdadeira comun união.
Cada reza ou na maioria das rezas existia o puxador do terço e enquanto ele não chegasse nada começava, até porque a chave da capela ficava na sua responsabilidade.
Zé Ferraz era o responsável em um periodo por animar as noites de oração, mês de maio era agitado, toda noite era aquele movimento.
Uma noite destas o rezador Zé Ferraz se atrasou em casa, pois uma bezerrada tinha se desgarrado e até achar foi um custo. Seus filhos Ailton e Serginho bobearam com os bichos.
Saiu de casa apressado na bicicleta com terço e bíblia no embornal. No primeiro morro que desceu em disparada tomou um tombo. Aquela noite estava muito escura, a lua não deu as caras. Levantou se rapidamente, sacudiu a poeira e seguiu caminho.
Passando pela mata do Tio Joaquim, numa estrada coberta de árvores, em um breu danado, outro acidente. Deu de frente com um senhor a cavalo. Foi bicicleta de um lado, cavalo de outro, biblia e terço no chão.
O susto e a pressa foram grandes, que os dois barbeiros juntaram os seus pertences e cada um foi pro seu rumo sem entender o ocorrido. Seria assombração no meio da mata?Talvez imaginaram desta forma.
Já na capela, o rezador meio mancando entra e inicia o terço pedindo desculpa pelo atraso.
Após a reza, no leilão, um cavaleiro rodeado por pessoas contava o ocorrido na estrada da mata. A sua história era arrepiante, pois reclamando das dores da trombada, dizia ter se esbarrado com um assombração de bicicleta.
É isso aí gente! Quanto mais rezo, mais assombração me aparece.

Aldeir Ferraz

segunda-feira, 8 de junho de 2020

CONTOS DE FILHO PRA PAI " O ARADO"

Na roça era assim, filho já começava cedo na lida. Foi assim lá na casa do Sr Onésimo e a Maria.
Serviço é que não faltava e as tarefas eram distribuidas. Aí de quem não cumprisse. Era uma forma que as familias tinham de buscar a sobrevivência e ao mesmo tempo educar a criançada.
E para o trabalho se tornar prazeiroso a turma de irmãos muitas vezes faziam da lida uma forma de brincadeira e o tempo passava rápido.
Em um destes trabalhos diários, tiveram a missão de preparar a terra para o plantio do feijão e do milho.
Um boi puxava um arado que cortava o solo. Alguém segurava o arado e outro guiava o animal.
Mauricio o filho mais novo, neste dia fazia o papel de guia e quem segurava o arado era o mais velho, conhecido como Zezé.
Mauricio era franzino e  com pouco tempo de serviço já tava com as pernas bambas,mas como dizem os antigos pé de boi é firme na trilha e não para. Foi quando Mauricio deu uma parada repentina e o boi lhe deu uma cabeçada no traseiro, fazendo com que nosso guia caisse de cara na lama.
No primeiro momento veio o susto, mas como não se machucou as gargalhadas foram seguidas e o dia inteiro.
Cuidado com o boi, Mauricio!
A meninada se cansava mas também se divertia muito.

Aldeir Ferraz

sábado, 6 de junho de 2020

MEUS ÓCULOS

O tempo vai avançando e as vistas vão se encurtando. Aí não tem jeito, o óculos passa a ser um acessório fundamental na vida.
Apesar de conseguir ainda diferenciar uma nota de R$100,00 da de R$50,00, por enquanto, as letras miúdas de uma bula de remédio não tem chance.
Sem o óculos fica complicado fazer uma leitura, escrever um texto, enxergar de perto muita coisa, por isso não saio de casa sem ele.
A convivência com o óculos já vem de um bom tempo e agora estou numa fase de começar a perdê-lo.
Já perdi em casa, já perdi no trabalho, já perdi na rua, até já perdi ele sem perder. Haja São Longuinho pra encontrar o abençoado. E São Longuinho já me ajudou muito.
Pra quem não conhece a oração deste santo que acha coisas perdidos é o seguinte:
São Longuinho, São Longuinho, ache meu....( no caso o óculos) e dou 3 pulinhos. E não é que dá certo.
Um dia o óculos estava encima da minha cabeça e não achava de jeito nenhum.
Essa não precisei de chamar o santo, mas aconteceu mesmo.
Bem é isso aí, só sei que não vivo sem ele. E se você ainda não usa, se prepara com a peleja. Ainda mais agora com a pandemia, ter que usar máscara e óculos é um sofrimento danado.

Aldeir Ferraz

terça-feira, 2 de junho de 2020

VIVER É NORMAL, MORRER NÃO

Brasil, 02 de junho de 2020, trinta e um mil seres humanos brasileiros e brasileiras perderam suas vidas com a pandemia do COVID19.
O presidente de plantão se limitou em dizer que lamenta e que é normal que se morra.
Se a morte fosse normal, algo aceitável, não haveria a batalha pela vida.
Existe todo um esforço de uma sociedade que se organiza em um complexo sistema de saúde pública e privada com normas e conceitos de bem viver, pesquisas para se descobrir curas, lutas sem fim para que se alongue a vida e amenise dores. Nada disso é em vão.
Não aceitamos a morte, lutamos para que a vida seja o normal.
Nesta batalha da vida, não  pode haver espaço para os que banilizam a morte, banalizam o sofrimento.
A vida precisa de quem lute por ela.
Vida eterna aos que se dedicam em fazer a  vida o normal.

Aldeir Ferraz


Vá na Fé Mestre Dão

O caminho agora é outro! Nossa! Quanto chão ficou pra trás. Lá na roça a quantidade de dias de Sol que tomou no lombo. Os calos na mão, cres...