sábado, 26 de setembro de 2020

O VELHO E A SANFONA

 

Enquanto o som daquela sanfona preenchia o silêncio da varanda, o velho brilhava seus olhos e a primeira lágrima  já escorria  no rosto marcado pela lida.

A sonoridade das músicas antigas que saiam da decisão do sanfoneiro em acertar com perfeição os acordes de tão belo instrumento provocava uma inevitável viagem no tempo.

Mesmo se valendo de uma bengala, naquele instante já se sentia aquela criança que  foi em um longínquo tempo e com um suspiro apenas pode sentir a brisa que lhe batia nos galopes em um cavalo de pau pelas trilhas deixando muita  poeira para trás,

A música penetrante nos ouvidos levava a uma eternidade de pensamentos sobre a longa estrada até o momento percorrida.

Amores, amigos, flores e dores tudo se foi deixando de ser visto com olhos e agora apenas sentido  com o coração;

E quando as melodias cessaram o velho  então foi se  recobrando daquele extase ,  ajeitou seu chapéu e como quem apeia em uma estação de trem , olhou  para tudo e para todos sem dizer nenhuma palavra, apenas sorriu.

Aldeir Ferraz



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quarta-feira, 23 de setembro de 2020

PROJETO DE UM CAMINHANTE



Na manhã de um domingo, durante uma caminhada ao sabor do vento, encontro um pedaço de papel no chão. Nele estava escrito: “Caminhante,  não há caminho, o caminho se faz ao caminhar”. 

Nascia ali um projeto que a  princípio teria um começo, um meio e um fim, mas que passado quase 04 anos ainda não se concretizou da forma como gostaria.

A frase que encontrei é do poeta espanhol “Antônio Machado” que resolvi ler, aliás além dele busquei outros também. O interessante   é que todos não se formaram poetas, escritores, autores de livros, no máximo apenas aprimoraram a escrita. Todas as suas obras surgiram de algo que para mim é inexplicável, mas alguns chamam de inspiração.

Quando comecei a escrever passei a perceber isso, pois gosto de ouvir histórias das pessoas mais velhas.  Quanta riqueza tem na memória deles! Antes do livro ou mesmo depois, muita coisa era passada de geração em geração através dos ditos “causos”.

Assumi este desafio e comecei a transportar muitas falas de gente simples, mas com uma carga de conhecimento incrível para um pedaço de papel.

Muito das crônicas revelam coisas ora engraçadas ora  tristes;  ora de saudade, de conselhos, opiniões... A tal inspiração vai surgindo no caminho e ao caminhar.

Pensei em colocar isso tudo em um livro. Ainda espero chegar lá, mas enquanto não se realiza este sonho, resolvi partilhar o que escrevo.  Criei o blog “De Caminhos e Sonhos” (decaminhosesonhos.blogspot.com).

Hoje tenho mais de 130 textos publicados e mais outros cem em casa para publicar, e continuo escrevendo, pois ainda tem muita história por aí que precisa ir para um papel.

“Caminhante, são tuas pegadas o caminho e nada mais;

Caminhante, não há caminho, Faz-se o caminho ao andar...”


Aldeir Ferraz



terça-feira, 22 de setembro de 2020

O TRABALHO QUE DIGNIFICA OU DANIFICA



Se trabalhar mais, vai adoecer e se não trabalhar, vai adoecer também.


Este é o drama de vida de muitos trabalhadores e trabalhadoras deste país.


Conheci um caso desses fazendo fisioterapia. Um senhor já calejado pela vida lutando para se recuperar de algumas dores em seu joelho. Por coincidência estava também com problemas parecidos com o dele.


Enquanto fazíamos os exercícios dentro de uma sala, puxei conversa e me contou que era aposentado, mas sua renda não dava para manter sua família. Tinha que trabalhar, não havia outra opção.


Dentro de um chão de fábrica sua função é bem pesada, anda pra lá e pra cá. Tem hora que precisa baixar a cabeça, ir pra um canto, pois teme que alguém veja sua cara de dor e possa ser mandado embora.


O medo lhe corroí, pois precisa superar tudo para se manter naquilo que te mantém. O seu trabalho é muito importante para o sustento da sua e de outras vidas.


Vivemos em tempos do medo e isso nos impede de alcançarmos uma felicidade plena, pois neste conceito de mundo, somos necessários até quando possuímos vigor, saúde, energia. Quando a energia se esvai, passamos a ser descartáveis e outros assumem o nosso lugar, até que sejam também descartados.


Há um limite para o nosso corpo em suportar o trabalho e infelizmente isso não é reconhecido pelo Estado que estamos tendo.


Seria preciso garantir o direito de ter uma renda digna não na lógica do fim da vida, mas quando os limites já nos impedem de seguir no trabalho.


Não se pode continuar com a lógica de que só os fortes podem sobreviver.




Aldeir Ferraz




sábado, 19 de setembro de 2020

A EGUA DO TATÃO

 Tatão é um camarada inteligente, apesar de vez ou outra tomar umas esbarradas.

Por falar em tomar, aprecia saborear umas cangibrinas e haja trupicão pra tanto canecão.

Com o preço da gasolina lá nas alturas resolveu nosso amigo encostar o carro e comprar um cavalo. Na verdade não é só por causa do tanque do seu automóvel, mas também pelo seu tanque que vivia entornando, entornando de cachaça.

O cavalo que comprou numa negociada no buteco da roça animou nosso desgustador de cana. Feliz com o preço que pagou chegou com o bicho em casa, mas logo notou assim que sarou que o cavalo faltava alguma coisa. 

Na verdade o cavalo era uma égua. Faz parte dos negócios regado a copos e mais copos.

O tempo passou e da égua ele bem cuidou. O animal se tornou seu protetor e sabe o caminho de volta do cavalgador.

Dizem os companheiros de gole que a egua do Tatão  é da igreja e por isso não bebe com o patrão.

Enfim, ele já "injeitou"  cinco mil nela. Assim nos falou. Também o animal é de valor mesmo, pois nunca deixou num tombo o Tatão pelo caminho.


Aldeir Ferraz


quinta-feira, 17 de setembro de 2020

A SOMBRA DE UM CAVALEIRO



— Então você é sobrinho do Avelino Inácio?

— Sim! Meu tio e padrinho!

Até hoje ainda encontro com pessoas neste cantão da Zona da Mata Mineira, por estas serras que rodeiam visconde do Rio Branco, alguém que conhece este homem, alguém que sabe das suas histórias.

Ser sobrinho e afilhado dele sempre me fazia ouvir e ainda ouço:

_“Então cê é gente boa uai!”

Talvez por seus negócios, por sua lida de homem do campo, da compra e venda de gado. Mas não é apenas isso que faz alguém ganhar o respeito no meio do povo, existe o jeito de ser.

Dele trago sempre a imagem do cavaleiro, montado em seu cavalo sob Sol escaldante, fazendo sombra na estrada, chegando de longe, empoeirado, mas bem alinhado desde a bota ao chapéu.

Gostava muito de passar as férias por lá. Na casa dele tinha uma televisão a bateria, engenho de rapadura, chiqueiro de porco, córrego pra pescar. Só tinha um problema que era a cachorrada brava…

Ah! Tinha muito serviço também, ali a turma ralava, sobrava até pra mim, ajudava a debulhar milho e até candear boi. Nesta segunda tarefa já cheguei quase tombar uma carroça com boi e tudo numa pirambeira, menino de rua dando uma de candeeiro é engraçado.

Sua história se mistura com sua mãe Jovelina, que viúva contou com sua lida para cuidar da subsistência das coisas que tinham.

Não posso esquecer do prazer que tinha de tomar uma cachaça e isso aí ninguém é de ferro, mas não bambeava com as goladas de jeito  maneira.

O povo da Folia de Reis fazia questão de madrugar na sua casa, pois a família era grande e todos acordavam pra receber a cantoria e a reza.

Enfim, com seu cavalo já não anda mais por estas bandas, mas com certeza cavalga entre as estrelas junto aos que deixaram aqui na Terra seus bons exemplos de coragem e dedicação aos seus.


Aldeir Ferraz



quarta-feira, 16 de setembro de 2020

A GRANDE ÁRVORE


Era uma noite diferente das outras, nem frio, nem calor. No céu escuro, as estrelas e a Lua iluminavam as ruas perto de casa.

Um silêncio estranho contrastava com o vai e vêm das pessoas na rua.

Estávamos ali em orações e também havia uma vela acesa. 

Dentro do quarto, deitada na cama, ali estava ela já se preparando para a sua viagem final.

Tudo naquele momento ficou vazio, mas logo a seguir as lembranças passaram a surgir.

Em um último olhar para todos nós, se despediu e seu espírito voou ao encontro do universo.

Uma leve brisa apagou as chamas da vela. 

Os passos apressados dela, na lida do dia a dia, os seus preparos dos alimentos, as suas rezas, a suas histórias a beira do fogão de lenha…

Passado muito tempo da sua partida para junto do Grande Espírito, ainda fica comigo a imagem do seu olhar.

Seus olhos firmes, seu semblante sereno nos trazia um conforto e uma segurança muito grande.

Sua história de vida admirável deixou marcas na sua maneira de ser. 

Ela se tornou forte, não apenas por ter nascido forte, mas por ter vivido como uma grande fortaleza que enfrentou as intemperes do tempo.

Cada um de nós, que pertencemos a sua descendência, traz um pouco da energia dela. Cabe-nos nunca abrir mão disso.

Somos bem aventurados por sermos frutos desta grande mulher que era como uma árvore de troncos fortes e uma imensa copa que sempre nos protegeu durante a sua vida.

Esta é minha Vó Jovelina, uma luz que hoje brilha no infinito deste imenso universo que também um dia iremos seguir.



 Aldeir  Ferraz




domingo, 13 de setembro de 2020

GALINHA DE PINTINHO

Já tomei muito galope de galinha com pintinho. 

Confesso que pra mim, como criança, era um dos bichos mais bravos, até mais que cachorro.

Na casa da minha Vó Jovelina, na comunidade de São Francisco, em Visconde do rio Branco, passava férias lá e gostava muito de brincar no quintal, olhar as criações e os pintinhos pequenininhos e amarelinhos era minha paixão, mas a galinha não deixava chegar perto. 

Com os olhos vermelhos, as penas ouriçadas e passos firmes como de gigante partia pra cima e quando alcançava dava bicadas de doer.

Com muito medo, ficava afastado, mas os pintinhos se aproximavam de mim, mas logo sua mãe surgia para socorrer, acho que eles tinham uma maldade naquele gesto, pois o bicho-mãe bravo fazia com que eu disparasse na correria.

Não me conformava com aquilo, não queria fazer maldade nenhuma com os pintinhos, apenas brincar era minha vontade.

Hoje compreendo e admiro aquele instinto maternal que vira fúria para proteger suas crias.

Este instinto maternal, de proteção acontece entre nós também.

Uma pessoa veio reclamar comigo de que nesta pandemia não está podendo visitar um parente, pois a filha deste parente estipulou regras e está fazendo um verdadeiro isolamento. Recusa visita e fica brava quando alguém insiste.

Lembrei da galinha com pintinho, pois sem pintinho a galinha é dócil e até medrosa, mas quando está no papel de mãe, no papel de protetora, vira o terror.

Que bom é este (espírito) galinha com pintinho, pois está salvando muitas vidas, merece nossos aplausos e reconhecimento.

Quanto aos teimosos, cuidado, pois no instinto de proteção podem tomar bicadas e não adianta fazer cara feia não, que o bicho é manso, mas também é bravo, quando a missão é proteger.

Aldeir Ferraz




segunda-feira, 7 de setembro de 2020

INDEPENDÊNCIA O GRITO PRESO NA GARGANTA


Há quase duzentos anos, precisamente no ano de 1822, Dom Pedro rompia com a coroa portuguesa e uma nova história surgia aqui nas terras brasileiras. Os laços cortados tiveram um custo que foi pago pelos ingleses. Portugal  cobrou a fatura para aceitar a independência e como não tinhamos uma forma de pagar, os ingleses entraram na jogada, pagaram sem pagar, pois os portugueses deviam a  Inglaterra.  Na prática o Brasil ficou devendo sua dita liberdade a Inglaterra.


Muito antes deste episódio, o Novo Mundo chamado de Américas foi invadido e colonizado. Aqui muito foi saqueado e grande parte do seu povo exterminado. Uma nova sociedade surgiu com mistura de raças e com um conceito europeu do dominio dos endinheirados sobre os miseráveis. 


Uma sociedade de castas separava este novo povo e o único objetivo era ter um "rei na barriga". Explorar, explorar para ter estatus, para ser um semi deus. 


Tudo era feito para mostrar imponência, desde as casas grandes das fazendas até os palácios nas cidades. 


Os indigenas, como foram conhecidos, que eram os povos originários daqui. 


Somos descendentes deles, mesmo com muita mistura de lá pra cá, mas caregamos o seu dna. 


O DNA dos indios carrega uma cultura diferente do dna europeu, a forma de se organizar não evidência o modelo de ricos e miseráveis, ao contrário pois os frutos da mãe terra devem garantir vida a todos.


Nossa dependência ao modelo colonizador tem nos levado a ruina como povo e caminhamos a passos largos para a morte. 


Nossa identidade tem se perdido ao longo do tempo, justamente pelo fato do grito de independência ao modelo que nos foi imposto continua  preso em nossas gargantas.


O teólogo Eduardo Galeano, resumi pra mim o momento de reflexão que precisamos ter neste dia 07 de setembro:


A história é  um profeta  com o olhar voltado pra trás: pelo que foi,e contra o que foi,anunciará o que será.


OU LUTAMOS POR NOSSA INDEPENDÊNCIA OU SERÁ NOSSA MORTE.


Aldeir Ferraz



 

Vá na Fé Mestre Dão

O caminho agora é outro! Nossa! Quanto chão ficou pra trás. Lá na roça a quantidade de dias de Sol que tomou no lombo. Os calos na mão, cres...