quarta-feira, 26 de agosto de 2020

VELA ACESA


Estava ali caído o andarilho que encerrou seu caminho.

Caiu no meio da praça e naquele fim de tarde frio, pessoas apressadas passavam. Ninguém se importava.

Folhas secas com o vento depositavam-se em seu corpo já gélido. A espera do rabecão para recolhê-lo, aquele sem nome, sem documento, sem rumo, sem nada estava ali.

Eu do outro lado da rua a espera de um ônibus presenciava aquela cena.

Uma velha senhora se aproximou e com uma vela acesa cerimonialmente a depositou do lado daquele cadáver. Antes de sair protegeu a vela acesa com uma lata e fez um gesto de oração.

Demorou ainda um pouco, mas recolheram aquele homem falecido. A vela ainda ficou ali e acesa.

Meu transporte não chegava, estava atrasado e fiquei a admirar a luz protegida que aquela boa senhora deixou. Seria ela um parente, alguém próximo, ou um anjo?

Comecei a pensar sobre o fim daquele ser que não tinha ninguém por ele.

Do mundo não recebeu a bondade necessária para viver em um lar com comida quente, com roupa lavada, com uma TV para assistir, com filhos para curtir.

Talvez o gesto da vela acesa que a senhora deixou ao seu lado fosse a única bondade que um dia recebeu.

A vela acesa era ali uma forma de amor única que ganhou, realmente amar é simplesmente querer o bem de alguém, mesmo que seja um ninguém.


Aldeir Ferraz

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